23/12/2009
Deixando Juazeiro do Norte
Mas, nem só do comércio religioso vive Juazeiro do Norte, o parque industrial é representado por indústrias de sandálias de plástico e de couro, de bebidas e alimentos, de confecções, móveis e jóias, entre outras. O artesanato é rico e variado, foi esta a informação que me deu o taxista, enquanto nos dirigíamos para a rodoviária.
Como tinha um longo percurso a fazer, enquanto aguardava o ônibus, comprei na mesma lanchonete do dia anterior um sanduiche e refrigerante para a viagem.
Quando comprei a passagem de Juazeiro à Quixada, escolhi o ônibus da categoria “leito”, pois o vendedor me assegurara que seria o mais confortável e seguiria direto. Mas, por essas bandas, direto não significa uma viagem expressa. Portanto, apesar das larga poltrona individual (havia três em cada fileira, duas juntas e uma separada), da climatização do veículo e da existência de banheiro (o que para mim poderia ser dispensado, pois a certa altura exalava odor desagradável), amargamos mais de sete horas até meu destino final, já que tivemos várias paradas em rodoviárias de cidades existentes ao longo da rodovia. E foi assim que passamos em Crato, Iguatu, Acopiara, Mombaça e Quixeramobim.
As Imagens da Estrada
A caatinga ocupa 70% do território cearense. Possui a maior biodiversidade de plantas e animais, quando comparadas a outras áreas semi-áridas do planeta. Desde a época colonial, a seca já era registrada nesta região e a falta de chuvas que caracteriza este clima, impõe muitas dificuldades para o sertanejo. Com a água escassa, a plantação e o gado morrem por falta de condições mínimas de sobrevivência. Entretanto, o próprio homem agrava essa situação com a prática de queimadas, destruindo a vegetação natural e tornando a área semi-árida ainda maior.
Durante o trajeto não foi exceção e sim regra a visão de fumaça tingindo o horizonte de um rosa acinzentado, além do próprio fogo em diversos focos, algumas vezes próximos, outras vezes distantes da beira da estrada. Em alguns trechos, percebia-se a destruição da vegetação com restos de galhos carbonizados sobre o solo escurecido, evidências contudentes das queimadas tão comuns na região, onde o homem continua agredindo a natureza, da forma mais primitiva, para manter o seu meio de sobrevivência.
À medida que percorríamos a CE-060, pequenas cidades e lugarejos eram atravessados, como Quirino, Farias de Brito, Caririaçu e Várzea Grande. A paisagem que se via pela ampla janela do ônibus era marcada por áreas planas entremeadas por pequenas elevações, tendo como cobertura vegetal as espécies arbustivas da caatinga. Pequenos açudes alimentados por cursos d'água formados pelas fortes chuvas da época invernosa, foram imagens frequentes no árido Sertão Central por onde avançavamos. À entrada de Iguatu, a visão do antigo pontilhão, sob o qual fluia veloz o maior rio do Ceará, o Jaguaribe, ficou como uma das mais marcantes de todo o trajeto.
A concentração de chuvas num curto período aliado às características do relevo, da vegetação (descontinuidade) e da elevada temperatura (maior evaporação) da maior parte da região, impõem a característica de intermitência de quase todos os rios que cortam o Estado. Este fato levou o Governo Federal, nas décadas de 40 e 50 do século passado, quer seja para amenizar os transtornos oriundos com a seca inclemente permitindo a irrigação, quer seja para fornecer o peixe de cada dia ou até mesmo por motivos políticos obtusos, à construção de grande parte daqueles açudes.
Apesar de demorada, a viagem foi tranquila. Com o dia nublado, o sol pouco se mostrou, até ser a “estrela” no final do dia, quando consegui capta-lo numa das diversas curvas da estrada, muito além de Mombaça e próximo à barragem de Quixeramobim ponde cruzamos, antes da parada para um lanche.
Já era começo da noite quando chegamos à pequena rodoviária de Quixadá. Desembarquei rapidamente, pois o ônibus seguiria para Fortaleza com vários passageiros à bordo que, cansados, reclamavam da quantidade de paradas pelas quais tivemos que passar.
Durante a programação e escolha do roteiro que seguiria nessa viagem, procurei reservar todos os hoteis onde ficaria. Em Quixadá, dei prioridade a um hotel fazenda em virtude das atividades que ele se dispunha a proporcionar, como a caminhada por trilhas. O grande incoveniente, e este não levei em conta a não ser na hora em que cheguei à cidade, era a sua distância do centro. Já tinha comunicado por telefone que chegaria à noite e a única forma de me deslocar até o hotel seria contratando um taxi. Dificuldade que não tive, pois bem não peguei minha bagagem no porta malas do ônibus, já fui abordada por um taxista que não me deixou negociar o valor da passagem, pois foi logo me afirmando que ninguém faria o trajeto àquela hora por menos de R$ 40,00.
Retornando pela estrada pela qual havia passado há poucos minutos, seguimos em direção ao Hotel Pedra dos Ventos, localizado na Serra do Juá, a 18 km de Quixadá, no distrito de Juatama. Numa área de 122 hectares, possui 4 açudes onde se pode praticar a pesca, uma caverna e quatro trilhas demarcadas com grau crescente de dificuldades. Para os praticantes de esportes radicais há quatro rampas de voo livre para asa delta e para-pente, ancorações para rapel e escaladas, além de outras comodidades de um bom hotel de lazer.
Em plena área de caatinga preservada, o hotel estava silencioso e envolto na fraca iluminação externa e específica dos festejos natalinos. Rapidamente fiz o check in, jantei e cedo já estava na cama, não antes de perceber que provavelmente seria a única hóspede naquela noite.
Queimadas |
Lugarejos |
Água no Sertão
Uma das várias rodoviárias |
Anoitece no Sertão
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24/12/2009 No Sertão, além de fé, pratica-se voo livre
Do tupi-guarani se originou a palavra Quixadá, que para os estudiosos da linguagem significa “pedra de ponta curvada”. Para os antigos a região já era conhecida como “Curral de Pedra”. E não é para menos, pois a cidade está encravada em um vale, onde montanhas rochosas brotam abruptamente da terra. Ao longo dos séculos, a água, os ventos e as intempéries foram esculpindo essas rochas, dando-lhes formatos curiosos. Com alguma imaginação, pode-se visualizar nos monolitos (ou monólitos) imagens de animais.
Quixadá era para mim apenas um nome guardado nas lembranças da infância sobre os períodos de seca que assolavam o Ceará. Da sua vizinha cidade, Quixeramobim, lembrava-me vagamente de uma música do Chico Buarque tocada nos rádios, na década de 70. Mas, foi com surpresa que tomei conhecimento de que, em plena caatinga, elas reunem condições climáticas adequadas para a prática do voo livre, como ausência de chuvas, ventos fortes e massas de ar que mantêm os praticantes de asa delta e parapente até 3.500 metros de altitude por muito tempo, permitindo-lhes chegar e aterrissar no estado vizinho, Piauí.
Do alto da Serra do Urucum os aventureiros decolam para viagens que chegam a durar sete horas. Por isso, em 1996, Quixadá passou a sediar um campionato mundial de voo livre na modalidade longas distâncias, período em que à paisagem da caatinga espinhosa e dos monolitos rochosos é acrescentado um céu coberto de asas coloridas.
Eram cinco horas da manhã quando abri a porta da varanda do quarto em que estava hospedada e dei de cara com uma belissima imagem do sol despontando no horizonte em meio a um colorido exuberante que ia do rosa ao violeta. Armei o tripé e pus-me a fotografar aquele presente da natureza. Em seguida aguardei o horário do café da manhã, colocando em dia os relatos da viagem.
A ausência de som era tamanha que dava a impressão de estar ouvindo o próprio “som do silêncio”.
O hotel, com aparência rústica e lembrando uma grande casa de fazenda, tinha as refeições servidas num amplo salão aberto, ao lado da recepção. Numa parede da entrada, um grande painel fixado, onde se tinha a imagem de todas as trilhas dos arredores indicando a distância, os pontos de interesse e o grau de dificuldade.
Após várias tentativas frustadas para conseguir um transporte coletivo que me levasse à cidade, aceitei a sugestão da recepcionista e contratei um táxi para me mostrar as principais atrações dos arredores de Quixadá.
Após alguns quilometros por caminho de terra, encontramos a estrada de asfalto que dá acesso ao Santuário Nossa Senhora Imaculada Rainha do Sertão. A subida é íngreme e fui surpreendida por estátuas de tamanho natural que retratam as sete estações da Paixão e Ressurreição de Cristo. No topo da Serra do Urucum está localizado o Santuário, construção moderna que tem nas suas paredes laterais pequenas bandeiras representando os países americanos. À direita da sua entrada, um Cristo Crucificado e à esquerda, em madeira e tamanho natural, a representação de uma singela carpintaria, com Jesus menino, José e Maria. O local ainda conta com uma estrutura completa de restaurante, casa de repouso e auditório para reuniões. De lá nos dirigimos para o local onde se encontra uma rampa destinada à prática de voo livre. O visual é soberbo! Permite-nos observar as variadas formações rochosas que se distribuem por toda a região.
Retornamos pela rodovia que dá acesso à Quixadá, onde a 5 km do seu centro comercial chegamos ao Açude do Cedro. Este reservatório começou a ser construído por D. Pedro II em 1873, porém so foi inaugurado em 1906, pelo então presidente Afonso Pena. Tanto o robusto paredão, construído no local com pedras lapidadas artesanalmente, provavelmente obra de escravos, para represar as águas plácidas há tantos e logínquos anos, como os magníficos detalhes da grade de proteção fazem com que este açude, que é o mais antigo do Brasil, seja exaltado pela sua beleza e valor histórico. Tombado como Patrimônio Histórico da Humanidade, tem capacidade para mais de 125.000 000 m³ e profundidade máxima de 16 metros.
Próximo ao Açude está um dos mais conhecidos monolitos existentes no município, tendo seu nome derivado de sua curiosa forma, é a Pedra da galinha Choca. Esta área é muito utilizada para se práticar rappel e se fazer trilhas pelas pedras aí existentes, inclusive até o topo da pedra da Galinha, que é a mais alta da região.
Mas não é so no ecoturismo ou turismo de aventura que está se voltando a economia de Quixadá. Desde 2008 foi inaugurada no município a Usina de Biodísel da Petrobrás, que tem a proposta de produzir mais de 55 milhões de litros do combustível por ano e terá como principais insumos para a sua produção os óleos vegetais (mamona, algodão, soja e girassol) e/ou gordura animal. Além dos empregos diretos que serão criados, estimulará a inclusão social da agricultura familiar. Quando estiver funcionando com sua capacidade máxima junto às demais usinas da Bahia, de Minas Gerais e do Paraná, será intensão da estatal brasileira de energia, tornar-se uma das cinco maiores produtoras de biodísel no mundo. Gerar energia de alguma forma acarreta impacto ambiental. Mas, a produçaõ de um tipo de energia menos agressivo e mais sustentável é um privilégio que não se deve abrir mão.
Na literatura a cidade tem uma figura expoente. Quixadá foi adotada pela primeira mulher a ocupar uma vaga na Academia Brasileira de Letras. Raquel de Queiroz foi criada na Terra dos Monólitos, na fazenda “Não me Deixes”. Periodicamente, ia encontrar-se com, segundo ela, sua fonte de inspiração: o sertão quixadense.
Já passava do meio dia quando o taxista me deixou em um restaurante para o almoço e cerca de duas horas após, retornamos para o “Pedra dos Ventos”, não antes de passar pelo Chalé da Pedra, uma pequenina casa construída no topo de uma pedra no centro de uma praça da cidade.
A tarde estava propícia para uma caminhada e resolvi percorrer a “trilha do Rio”. Com 1 km de extensão é a menor das quatro trilhas. Faz uma volta em torno do hotel e de um de seus açudes, tendo o seu estreito caminho ladeado por pequenos arbustos sem folhas, com seus troncos ressecados e torcidos, aqui e acolá substituídos por árvores com folhagens esverdeadas, mais resistentes à seca. Algumas fotos tiradas e me dirigi ao restaurante, onde saboreei um delicioso sorvete apreciando as belas cores que se mesclavam no crepúsculo nordestino.
Amanhecer
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25/12/2009 Então é Natal...
Dormi cedo no dia anterior e em alguns momentos acordei ao som da música que vinha do restaurante. Provavelmente, algum grupo resolveu comemorar a chegada daquele Natal no hotel. Nada que me impedisse de conciliar o sono, com a esperança de ter um bela alvorada novamente. Mas, infelizmente, não foi isso que o aconteceu e ao abrir a porta da varanda, logo cedo da manhã, nuvens escuras impediam a passagem dos raios solares, o que não me deu o privilegio de presenciar a chegada de mais um lindo dia.
Por volta da nove horas da manhã, saí para percorrer a “trilha do Mirante”. Nuvens grossas e acinzentadas deixavam o clima abafado, indicando que poderíamos ter chuva ainda naquele dia. Inicialmente, o caminho tem uma íngreme subida e os galhos secos invadem a trilha a todo instante, obrigando-me a abaixar ou desviar para os lados. Senti um pouco em virtude do inadequado condicionamento físico e optei por ir num rítmo lento, algumas vezes parando para descansar e aproveitando para fotografar mais um pouco o cenário da caatinga.
Uma hora após e me encontrava no topo de uma pedra, conhecida como Mirante. O horizonte a meu redor era esplêndido! As formações rochosas estavam distribuídas isoladamente num ângulo de 180º. À esquerda estava a Serra do Urucum e o abismo sobre o qual se jogam os aventureiros de asa delta. Em frente, o brilho dos reflexos dos fracos raios solares sobre a superfície da água dos vários açudes. Estradinhas à esquerda e o pequeno aglomerado de casas logo abaixo, de onde se ouvia um suave burburinho. E, por todo o horizonte, os sinais de destruição deixados pelo homem, focos de fumaça denunciavam a prática de queimadas.
A trilha, bem sinalizada, estava pontilhada de pedras e cactos característicos do semi-árido. Em alguns trechos frondosas e resistentes árvores forneciam a sobra ideal para um descanso, permitindo uma caminhada tranquila de retorno.
De volta ao hotel, fui convidada por seu dono para acompanha-lo até o alto da “Pedra dos Ventos”, de onde iria saltar um canadense praticante de voo livre, ali hospedado há quase um mês. Ponto mais alto da área em torno do hotel, cerca de 600 m acima do nível do mar, é alcançado pela trilha mais difícil por conta da sua subida extremamente íngrime, apesar de ser toda calçada com paralelepípedos. Em um carro com tração nas quatro rodas, em pouco tempo chegamos lá.
No topo estava sendo construído um pequeno chalé, que desfrutará da grandiosa e privilegiada paisagem que se estende de Quixadá às imediações de Quixeramobim.
Após verificar as adequadas condições do vento, o canadense abriu o parapente e num rápido salto se jogou, livre, no ceu cearense. Voltamos ao carro e aos poucos, enquanto descíamos pela trilha, víamos o aventureiro se distanciando cada vez mais e a última visão que tivemos foi um “pontinho”, que logo sumiu no horizonte.
A chuva chega torrencialmente com trovões e relâmpagos no meio da tarde, enquanto estou tirando uma soneca.. Havia muitas pessoas na piscina, vieram almoçar no restaurante do hotel, aproveitando o feriado de natal.
Já era hora do jantar quando soube que o canadense tinha conseguido aterrissar a cerca de 100 km de distância, a chuva não o tinha atingido e já estava dentro de um ônibus, retornando ao hotel. Ao som dos sapos, dos grilos e dos pirilampos encerrei aquela noite natalina.
Imagem da caatinga |
Trilha do Mirante |
Hotel, do alto da trilha |
Imagem do Mirante |
Queimadas mo horizonte |
Trilha |
Trilha |
Alto da Pedra dos Ventos