1 de mai. de 2011

Juazeiro do Norte

                                           
21/12/2009       
                           Em direção ao Sertão do Ceará

 
Os ciclos extrativistas que dominaram a economia da colônia americana portuguesa, nos três primeiros séculos que se seguiram à chegada de Cabral, foram responsáveis pelo direcionamento em que se deu a ocupação da região nordestina.


À extração do pau-brasil seguiu-se o cultivo da cana-de-açúcar trazida pelos donatários das capitanias, depois o do cacau e do algodão que, além de substituírem a floresta atlântica ao longo da costa (Zona da Mata), permitiu a ocupação em direção a oeste. Fato este que se firmou com o desenvolvimento da pecuária e da agricultura de subsistência.

A criação de gado constitui-se numa atividade de relevância na economia desde a época colonial. No entanto, a sua criação foi impossibilitada de se desenvolver nas férteis terras da zona da mata. Daí ter sido mandado para regiões interioranas, onde se multiplicou e se dispersou em currais ao longo dos rios permanentes e invadindo os sertões do São Francisco e para além, no Piauí e no Maranhão.

Inicialmente, os próprios donatários eram detentores dessas áreas onde criavam o gado que consumiam. Posteriormente, a atividade ficou nas mãos de criadores/vaqueiros. As relações entre estes e os proprietários eram hieraquirzadas, mas não brutais. Mão de obra barata e sem grande rigidez de trabalho, à medida que se deslocavam com o gado em busca de melhores pastagens, entravam em conflitos com os índios que se refugiaram no interior ou com eles se misturaram, formando a mestiçagem do sertão nordestino. Núcleos humanos foram se formando, caboclos, índios e mulatos, pois havia negros fugidos. Muitos desses pousos se transformaram em vilas e cidades.

Porém, essas sociedades sertanejas viviam em situação precária, propícia condição para o surgimento de manifestações religiosas fanáticas como também o banditismo, que para alguns era a expressão de revolta contra as injustiças do mundo.

O fanatismo religioso, baseado em crenças em que um “salvador” livraria o povo da pobreza esteve manifestado em líderes carismáticos que atraiam romarias por conta dos milagres que eram propagados. Alguns desses lugares deram origem a cidades, foi o caso de Juazeiro do Norte, principal pólo de romaria nordestina.




Hora de Embarcar




Às dezenove horas estava eu acabando de fechar a sacola, quando o taxi chegou. Rapidamente me despedi dos familiares e segui para a rodoviária. O ônibus sairia as vinte e trinta da quente noite de verão.


Havia comprado a passagem dois dias antes, já sabendo que minha poltrona estaria ao lado do banheiro. Era pegar ou largar, pois não existia mais passagem para àquele dia. Por via das dúvidas me garanti com um spray de ambiente para uso nos momentos de apuros.


Na rodoviária movimentada, cheguei meia hora após. Apesar de ser distante da minha casa, o trânsito fluiu bem naquela noite. Rapidamente me dirigi à plataforma dos ônibus inter-estaduais, onde havia um ônibus da Princesa do Agreste em processo de embarque. Mas, este tinha como destino Teresina, no Piauí. Percebi que havia ônibus de outras empresas aguardando a hora da partida: Gontijo, Progresso e Itapemirim. Aproveitei para fotografar aquele setor movimentado, fervilhando de gente.


Alguns minutos após, vejo que se aproxima outro ônibus da Princesa do Agreste agora com o letreiro “Recife-Crato” e ocupa a vaga deixada pelo que partiu para Teresina.Despacho minha sacola para o porta-malas embaixo do grande ônibus de dois andares, entrego o bilhete para o fiscal e confirmo que é aquele mesmo que passará em Juazeiro, antes de chegar a seu destino final. Subo os altos degraus e vou direto para o final do ônibus, em busca de minha poltrona de número 43, bem juntinho ao banheiro.


O ônibus já tinha praticamente todos os lugares ocupados, pois muitos passageiros vão até a garagem da empresa e já saem de lá com destino a rodoviária. Para minha surpresa, as poltronas só iam até o número 41! Estaria eu no ônibus errado?
- Motorista o que houve, há engano no meu bilhete? Ou seria outro ônibus? Perguntei.
- Não senhorita é este mesmo, so que sua poltrona é aquela dali, na frente e acima da cabine do motorista, viu? Tem um rapaz sentado lá, mas ele vai sair. Respondeu-me.
- Ok, aguardo, disse-lhe.   


E não é que minha poltrona era individual, larga, na primeira fila do ônibus e deixava a minha disposição todo o visual à frente e do lado? Pena que a viagem foi à noite e não pude desfrutar da paisagem, exceto o lindo luar que nos acompanhou em direção ao Agreste Nordestino.


Logo após a saída de Recife, comecei a ouvir as músicas que carregava no velho MP3, companheiro de viagens. Fazia, praticamente, um ano que não as escutava, desde quando viajei para a Patagônia.


Em menos de duas horas e já estávamos na rodoviária de Caruaru, primeira parada de outras três, nas cidades ao longo da BR-232: Arcoverde, Custódia e Serra Talhada. Alguns quilômetros após esta última, pegamos um desvio em direção a São José do Belmonte, última parada no Estado de Pernambuco. Já passavam das três e meia da manhã e logo estaríamos atravessando a fronteira com o Ceará.
Hora do embarque
Rodoviária do Recife
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22/12/2009       Amanhecendo no Cariri

Dormi grande parte da viagem, acordando em algumas paradas, somente o suficiente para ver onde estávamos. Porém, a entrada no estado do Ceará foi bem marcante. O trecho confirmava o que vira no mapa, estava em péssimo estado e com buracos a cada instante, o que fazia o ônibus trepidar bastante, dificultando a conciliação do sono. A primeira parada da BR-116 foi em Jati, onde havia um posto fiscal. De lá e já com um lindo nascer do sol no Sertão do Cariri Cearense, passamos por Brejo Santo, Milagres e Missão Velha, última cidade antes de chegarmos a Juazeiro do Norte às seis e quarenta da manhã.
           


O Cariri é uma microrregião ao sul do Ceará cortado pela Chapada do Araripe, que se estende do Piauí a Pernambuco. Esta área compreende algumas cidades como Crato, Barbalha, Santana do Cariri e Missão Velha, tendo em Juazeiro o seu expoente.
           


Em uma região teoricamente infértil, o Cariri tem na exuberância da vegetação da Floresta Nacional do Araripe localizada, no trecho da Chapada, na cidade do Crato, a negação desse fato, com temperaturas amenas e suas belezas naturais. Considerada área protegida desde 1946, foi a primeira unidade de conservação da natureza do Brasil.
           


Berço dos Kariris e tribos pré-históricas, também abrigou dinossauros e animais do sertão seco e de mata tropical. Porém, o que mais surpreende é a presença de fósseis de animais marinhos, como estrelas do mar e de peixes, comprovando que a região já foi coberta pelo mar. Em virtude da boa preservação dos fósseis encontrados, provavelmente pela alta salinidade do local, é em Santana do Cariri que está localizado o primeiro geopark das américas. Pesquisadores de todo o mundo vão até lá para estudarem esse rico material.
           


O Cariri é uma região rica do ponto de vista cultural, consagrada pelas músicas de Luiz Gonzaga e poesias de Patativa do Assaré. Porém, é na literatura de cordel e nos desenhos de xilogravura que o povo, de uma forma simples, expressa a sua religiosidade, contando os milagres do Padre Cícero, como também os casos e as disputas entre cangaceiros e coronéis, tão comuns naquela área no início do século 20.
           


Logo que desembarquei, dirigi-me ao box da empresa de ônibus Guanabara. A programação era ficar apenas um dia na cidade e como a rodoviária ficava longe do hotel onde iria me hospedar, não queria perder a oportunidade de conseguir assento vago no ônibus que me levaria no dia seguinte para Quixadá.
            


Passagem comprada e me dirigi a uma das pequenas lanchonetes abertas àquela hora, não antes de deixar minha bagagem devidamente guardada no guarda-volumes da rodoviária. Como era muito cedo e a reserva só estaria disponível a partir do meio dia, resolvi que iria conhecer a cidade antes de ir para o hotel.
            


Bem não havia me sentado no banco da lanchonete para saborear um café com o quentinho sanduiche de queijo e fui abordada pelo primeiro dos muitos pedintes que iria encontrar na cidade. Este era um garoto de 15 anos, dizia-se com fome e pedia-me uma ajuda.

-Se você quiser um lanche eu pago! Disse-lhe.
Ele aceita um sanduiche de queijo com fiambre e uma xícara de café. Em seguida me relata que está ali tentando conseguir dinheiro para ele e a mãe viajarem para outra cidade, pois tinham vindo visitar a avó. Se verdade ou não o fato é que de mim, ele não recebeu dinheiro algum.

Mente Vazia, Oficina do Diabo!

Com essa e outras máximas, Padre Cícero Romão Batista pregava a produtividade e era temido por justiceiros e cangaceiros numa terra violenta que era o sertão no final do século 19 e início do século 20.
           


No extremo sul do Ceará, longe de Fortaleza 560 km pela BR-116, Juazeiro é a maior cidade do interior, apesar da área do município ser de apenas 249 km². Localizada em pleno Cariri, oásis do Sertão, tem na expressão da fé sua maior fama, tornando-a o berço da autêntica religiosidade sertaneja. A devoção ao Padre Cícero atrai milhares de romeiros a esta cidade em três grandes romarias durante o ano.
           


O nome Juazeiro se deve à conhecida árvore, muito comum no Nordeste, que resiste à seca mais inclemente, permanecendo sempre vistosa e com suas folhas verdes. A palavra é híbrida, de origem tupi-portuguesa.
           


Da rodoviária fui de ônibus até o centro da cidade e por volta das oito horas da manhã já estava iniciando o “Roteiro da Fé”, que consiste na visita às Igrejas e locais que foram testemunhas dos momentos vividos pelo Padre Cícero.
           


Iniciei pela Igreja Matriz de Nossa Senhora das Dores. Desde 2003 consagrada como basílica menor pela Santa Sé, foi o marco da origem do lugar em 1828, ainda conhecido como Tabuleiro Grande, pertencente ao município do Crato.
           


O templo passou por sucessivas transformações até o formato atual. Com a imagem da padroeira no centro do altar, ladeada por uma do Cristo Crufificado, aproveitei para tirar algumas fotos. Em seguida, dirigi-me à Capela da Adoração, construção anexa, onde estava um pequeno presépio ao centro, um grande Cristo Crucificado em madeira na parede da direita e , mais a frente, o túmulo do Monsenhor Murilo de Sá Barreto, que foi vigário desde 1967 até 2005, ano de sua morte. Durante sua tajetória, foi um incansável defensor do movimento de reabilitação eclesiástica do Padre Cícero.
Como não era período de romaria, havia poucos fieis àquela hora. Mas, à saída, fui abordada por duas senhoras, uma das quais sentada no batente da porta principal da Igreja com uma cuia a pedir esmolas.
Dinheiro não dou, mas se eu tenho duas barras de cereais, aceitam? Disse-lhes.
Não se fizeram de rogadas e, prontamente, aceitaram o pequeno lanche que tinha para àquela manhã.
           


A basílica tem uma ampla escadaria, que vai dar no grande pátio que é delimitado por arcos em toda a sua volta. Ali, já se encontravam alguns vendedores em suas barracas, onde além dos objetos ligados à imagem do Padre Cícero, também eram oferecidos todos os tipos de artigos, de chapéus a redes, passando por panelas de alumínio e brinquedos infantis.
           


Retornei pela rua à esquerda da basílica em direção ao Memorial Padre Cícero. Durante a caminhada percebi a grande quantidade de pequenas pousadas e hospedarias nas ruas do centro. A cidade está voltada para a fé e o comércio em torno da figura do Padre ilustre. À porta das pousadas, estacionados, os conhecidos “paus-de-arara”, caminhões que têm na sua carroceria, bancos para o transporte dos romeiros.


Tudo Começou com Um “Milagre”

Era o dia 1 de março do ano de 1889 e um fato único e extraordinário transformou a rotina de um povoado, Tabuleiro Grande. Naquela data, ao participar da comunhão e receber a hóstia das mãos do Padre Cícero, Maria Madalena do Espírito Santo de Araújo, conhecida como “beata Maria de Araújo” não pode degluti-la porque a mesma se transformou em sangue. Este fato foi suficiente para o povo daquela região considerá-lo como um milagre: tratava-se de um novo derramamento do sangue de Cristo!
           


A notícia se espalhou e o lugarejo passou a ser visitado por pessoas interessadas nos “poderes” do padre que havia consagrado aquela hóstia. O fato se repetiu outras vezes, as toalhas que eram usadas para limpar a boca da beata ficaram manchadas de sangue e passaram a ser alvo de veneração. Tem-se início, então, as romarias, que não pararam mais de crescer até os dias de hoje.
           


E foi assim que comecei a ouvir sobre a origem da cidade na qual me encontrava naquela manhã. Dando-me conta de que, apesar de saber da veneração ao Padre Cícero, não conhecia a origem de toda a sua fama. A guia do Memorial se prontificou a contar-me toda a história, quando disse-lhe que me era desconhecida.
           


À medida que ia relatando sobre a vida do Padre Cícero, mostrava-me os quadros temáticos, pintados à óleo por um artista local, que registravam os seus momentos marcantes na história daquela que um dia viria a ser chamada de Juazeiro do Norte.
Cícero Romão Batista nasceu em uma família remediada no ano de 1844 e desde criança já manifestava sua vocação para o sacerdócio, tendo sua mãe zelosa como principal incentivadora da devoção a Nossa Senhora da Penha, padroeira do Crato, sua cidade natal - Relatou-me a guia, apontando para o primeiro quadro.
Após ser ordenado como sacerdote em Fortaleza, retorna à sua cidade natal. Onde em 1871 recebeu o convite para rezar a “missa do galo” num lugarejo próximo. Era um pequeno aglomerado humano com uma capelinha erigida em frente a três frondosos juazeiros. Além das cinco famílias importantes, entre elas a Bezerra de Menezes, o resto da população era formado por escravos e arruaceiros afeitos à bebedeira e à prostituição.
No ano seguinte, o padre retornaria a Tabuleiro Grande acompanhado de alguns familiares para se fixar no povoado. A decisão decorreu de um sonho, onde viu Jesus Cristo e os doze apóstolos sentados em uma mesa. Em seguida uma multidão de peregrinos marcados pela fome e pela dor adentra no local. Então Jesus diz estar decepcionado com a humanidade, mas que está disposto a fazer um último sacrifício para salvar o mundo, então vira-se para o padre e ordena: “E você, Padre Cícero, tome conta deles”. - É o que está representado neste quadro, uma cena parecida com a Ceia Larga. Mostra-me a funcionária do Memorial!
Inspirado nos ensinamentos do Padre Ibiapina, Padre Cícero criou as Casas de Caridade, organizações tocadas por beatas com o objetivo de levar educação, saúde e auxílio para o povo. “Cada casa uma oficina, cada oficina um oratório”, era o lema. Essas casa se espalharam pela região, sendo a mais famosa delas situada no Sítio Calderão, sob o comando do beato José Lourenço. O sacerdote tratou de mudar os costumes profanos do local e tornar comum a prática dos sacramentos. O seu jeito simples e carismático contagiava a população que cada vez mais ia se entregando à religião e ao trabalho.
Tremendas secas arrasaram o Nordeste de 1877 a 1879. Um terço do povo cearense morre e inúmeros se tornam flagelados, que vão se concentrar no vale do Cariri, onde ainda havia pasto, plantações e água. Alguns ficam em Tabuleiro Grande, são acolhidos pelo Padre e passam a viver em torno das histórias que passam a se espalhar por toda a região.
Nesse momento, a guia faz uma pausa: - verdadeira ou não, o fato é que foi a partir da divulgação da história do “Milagre”, que o povoado jamais voltaria a ser o que era antes. A cada dia chegava mais pessoas para se fixarem no local - disse-me
Ainda existem alguns desses lenços manchados de sangue da beata?- Perguntei
Aqui não há. Mas, até pouco tempo, tínhamos a notícia de um em posse de uma senhora de Pernambuco. Havia um acordo para uma possível doação. No entanto ela veio a falecer e a filha se recusou a fornecer aquela relíquia. Assim, so dispomos daquele recorte de jornal, onde mostra o lenço branco com as manchas envelhecidas do sangue. Respondeu-me, à medida que íamos percorrendo o salão principal, observando peças e objetos que pertenceram ao padre, como também algumas fotografias antigas do lugar.
O “Milagre da Hóstia” não foi aceito pela Igreja e, após investigações por alguns sacerdotes, o padre foi acusado de mistificação, manipulador da crença popular e heresia. Teve a suspensão da ordem em 1894 para o resto de sua vida. No entanto, contrariando a Igreja, não deixou de celebrar missas na igreja local. Continuava me relatando.
Com o seu prestígio, cada vez maior entre os fiéis, ingressou na carreira política. E, com a emancipação de Tabuleiro Grande, que se tornou a cidade de Juazeiro do Norte em 1914, elegeu-se como o primeiro prefeito.
Cada vez mais engajado na política das oligarquias cearenses, contra uma intervenção do Governo, enfrentou tropas federais, que se viram obrigadas a recuar ao se deparar com os fiéis armados, prontos a defender o povo e o Padre Cícero, naquela que seria por eles considerada uma “guerra santa”. A cidade completamente cercada por um muro de pedra, construído em uma semana e conhecido como “Círculo da Mãe de Deus”, impediu a invasão de Juazeiro.
Ali está o canhão usado na Revolta, também conhecida como Sedição do Juazeiro! Mostrou-me a funcionária, que a essa altura já havia-me revelado ser natural da cidade e estudante do curso de história.
Conta-se um curioso fato com relação ao canhão: Dizem que ao ser acendido o estopim, o canhão girou contra as tropas invasoras, em vez de atingir os fieis seguidores do padre. O que fez com que o povo acreditasse em mais um milagre – disse.
Completando o seu relato, informa que o padre foi nomeado vice-governador e eleito deputado federal, mas para não deixar a cidade, nunca assumiu esses cargos. Morreu aos 90 anos como uma das mais expressivas figuras políticas e carismáticas do Ceará.
Sua fama e seus feitos foram divulgados entre as camadas populares, o que o tornou, de fato, um santo entre os sertanejos - afirmou-me.
Já fazia mais de uma hora que estávamos percorrendo a história do Padre Cícero e se aproximava o final da visita quando, chegou até nós, um rapaz que como tantos outros sertanejos enalteceu a figura do padre e nos falou sobre a região do “Caldeirão”, que a exemplo de Canudos, constituiu-se numa sociedade comunitária, igualitária e auto sustentável, seguidora de um lider religioso, o beato José Lourenço.
           
O Brasil, em pleno Estado Novo, tinha como ditador Getúlio Vargas e o crescimento dessa comunidade desagradou à Igreja e às oligarquias locais que viram perder a sua mão de obra barata e na figura do beato, um homem com ideais “socialistas”. Destituídos do apoio local, com a morte do Padre Cícero e sem resistência, já que não possuiam armas, a comunidade foi invadida por tropas oficiais, que dispersaram esse movimento social.
           


O rapaz, assim que terminou seu pequeno relato, entregou-me um cartão onde havia a propaganda do grupo de bacarmateiros ao qual pertencia -“Bacarmateiros da Paz”- e reafirmou a sua defesa pela preservação do Sítio Caldeirão.
           


Pela segunda vez naquela manhã, conhecia mais uma história das manifastações de caráter messiânico que existiram no Sertão Nordestino.
           


Saí do Memorial, não antes de comprar um livreto sobre a vida do Padre e de parabenizar a estudante de história que me brindou, de forma clara, com a história da enigmática figura do “Padim Ciço”, como era e ainda é chamado carinhosamente por seus milhares de seguidores.
           


O acervo do Memorial Padre Cícero é, sem dúvida, uma inquestionável referência cultural para os nordestinos que o visitam, com fotos documentos e objetos recria a história de Juazeiro. De lá segui para a Capela de Nossa Senhora do Socorro, que é a mais simples das igrejas de Juazeiro, porém a que tem a honra de guardar o túmulo de padre Cícero. Erguida em 1908 é o ponto de concentração dos fiéis, que partem em procissão para a Matriz ou para o Horto nos dias de romaria, muitos vestidos com traje preto e com chapéu de palha, a semelhança do seu “padrinho”.
           


Ao lado e aos fundos da capela há um pequeno cemitério, onde estão sepultadas pessoas que pertenceram a famílias ilustres da cidade. Chamou-me a tenção o conservado e elegante túmulo da família Bezerra de Menezes.
           


Para desscansar um pouco, sentei-me no banco da igrejinha e senti emoção ao presenciar a profunda devoção de um senhor ajoelhado ao lado do túmulo do Padre Cícero. Percebi como é rica e latente a religiosidade que permeia a vida deste padre, aclamado como santo popular, e quão maravilhoso é ter a fé que faz o homem superar todos os seus obstáculos.
           


As pilhas da máquina estavam descarregadas e não consegui tirar as fotos que desejava. Resolvi comprar novas em uma lojinha, que não chegaram a funcionar. Era meio dia e a última casa onde viveu o padre, hoje transformada em Museu, estava fechada. Só abriria dali a duas horas. Na esquina próxima, encontrei um “boteco/restaurante” e do barato e ensosso “PF”de frango com feijão, arroz e macarrão, fiz o almoço daquele dia.
          


Comprei novas pilhas e fui até o ponto de ônibus. Depois de pedir informações e aguardar cerca de vinte minutos, seguia em direção à colina do Horto. Ponto mais elevado da cidade, era o local escolhido pelo Padre Cícero para seus retiros espirituais. Fica a 7 km do centro, chegando-se por uma ladeira íngrime que, a princípio, pensei se tratar de uma via deserta e em terra de chão batido. Mas, qual não foi a minha surpresa ao me deparar com uma rua calçada, ladeada de pequenas casas coloridas, uma pequenina capela e uma via sacra pintada em algumas paredes.
          


Esculpida pelo artista pernambucano Armando Lacerda e usando a mão de obra dos operários da prefeitura, a imponente estátua do Padre Cícero foi inaugurada em 1969, no alto da colina do Horto. Trata-se de um monumento com 27 metros de altura e 8 de base. É uma das maiores obra de concreto do mundo, a mais alta é a estátua da Liberdade, em Nova York. Dali, tive uma visão privilegiada da cidade e de todo o seu entorno, onde se vê ao longe a imagem azulada da Chapada do Araripe.
           


Devidamente fotografada a clarinha e imponente estátua do Padre com o seu inseparável chapéu na mão, segui para a enorme casa localizada ao lado, onde a atmosfera religiosa prepondera em todos os ambientes. Apesar de repleta de ex-votos de diferentes tipos, de pequenas réplicas do padre deixadas pelos devotos, além dos livros dedicados ao religioso, são as diversas esculturas de cera em tamanho natural, a maior atração do Museu Vivo do Padre Cícero.
           


Após a visita, comprei uma água de coco na lanchonete localizada abaixo da plataforma onde estava a estátua e sentei-me nas cadeiras ao ar livre, onde a brisa vinha dar um refresco naquela abafada tarde nublada. Várias lojinhas expunham seus principais produtos: imagens, livretos, fotos e artigos religiosos. Estavam ali à disposição de quem quisesse levar uma recordação do famoso padre e eu não poderia sair de lá sem uma, comprei uma pequenina foto do ilustre religioso.
           


Enquanto aguardava o próximo ônibus, que so sairia às 15 horas, sentei-me ao meio fio e fiz uma ligação para casa, dando notícias.
           


De volta ao centro, retornei ao Museu do Padre Cícero. Havia um entra e sai de romeiros e fiéis. Porém, a imagem que mais me impressionou foi a de várias mulheres na calçada com suas mãos estendidas a pedir esmolas, num sincronismo que mais parecia uma dança. No Museu há uma exposição permanente de objetos pessoais do sacerdote, como oratórios, batinas, livros e quadros.




Conserva o quarto com a cama, a escrivaninha, os armários, a louça e a cozinha usados por ele. Há tambem objetos diversos deixados pelos pagadores de promessas por graças alcançadas.
          


Voltei à praça principal, onde havia descido do ônibus cedo da manhã. Entrei numa sorveteria e refresquei-me com um saboroso sorvete. Estava na hora de retornar à rodoviária e pegar minha bagagem e com a informação obtida enquanto pagava o sorvete, peguei um ônibus até a estação. De lá, em um taxi, retornei ao centro da cidade, onde estava localizado o hotel San Felipe.



Basílica de N. S. das Dores











Presépio


Pedir...



Pátio






O comércio






Caminhante


            MEMORIAL PADRE CÍCERO


Canhão usado na Revolta de Juazeiro











<>Horto<><>
Juazeiro do Norte








Museu de Cera






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Ex-votos


Capela do Socorro













Túmulo do P. Cícero

Última morada de família ilustre

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Bichado descansando na calçada da Igreja

Esquinas de Juazeiro



Comércio religioso



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Praça do centro



Pousadas e transportes de romeiros



Boteco do almoço



Praça P. Cícero

23/12/2009







Logo cedo desci as escadas do segundo andar onde ficava o apartamento em que estava hospedada. O hotel tinha um relativo conforto e foi um adequado custo-benifício, levando-se em conta o seu farto café da manhã. Como havia programado no dia anterior, retornaria à Capela do Socorro para registrar as imagens que não tinha sido possível por conta das pilhas descarregadas.





             
Saí do hotel em direção a Praça Padre Cícero, que fica na parte mais central da cidade. De lá segui para a Capela, não antes de fazer as fotos do grande relógio e da imagem do Padre que estão localizados na praça e de uma rápida passagem pela frente da casa onde ele viveu até seus últimos dias.



 O dia estava nublado e os fracos raios solares nos brindavam com uma luz difusa e de pouco calor. Feitas as fotos da Capela, logo retornei ao hotel, pois havia combinado a contratação de um taxi para me levar a duas outras igrejas afastadas da região central, antes de me dirigir para a rodoviária.








A primeira visita foi ao Santuário de São Francisco, construído em 1950. Comportando mais de 30 mil pessoas, é o maior conjunto religioso do Nordeste. Surpreendeu pela sua magnitude e beleza do seu interior, onde várias colunas, em diversos sentidos, apoiam os respectivos arcos. O que me fez lembrar, reservadas as devidas proporções, dos arcos da linda Catedral/Mesquita de Córdoba, na Espanha. O colorido do seu exterior, dá um toque diferenciado, em contraste com as cores sóbrias do seu interior. O grande pátio (“Praça das Almas”) à frente é cercado por um muro em formato de arcos e ao centro há um enorme monumento, onde se encontra uma estátua de bronze de São Francisco das Chagas, atingindo o conjunto, doze metros de altura. É em torno dele que os romeiros, dentro dos carros, dão três voltas ao som de buzinas saudando o santo à sua chegada. E este foi um singular momento que presenciei ao final da minha visita.


Igreja dos Franciscanos



             






















 

Seguimos para a próxima igreja e última visita que faria em Juazeiro. Considerada a “capital da fé no Nordeste” tem, desde a morte do Padre Cícero, várias ordens católicas atuando na cidade, tornando-a um centro de missão no interior, com destaque para a ordem dos salesianos, seguidores da fé de Dom Bosco, que se tornou herdeira dos bens de Padre. Porém, são as ordens dos missionários franciscanos (capuchinhos) que gozam de maior popularidade nesta região.




A Igreja do Coração de Jesus, pertencente a ordem dos Salesianos é o segundo maior templo da cidade e àquela hora estava em pleno horário de faxina. Bancos virados, baldes e vassouras, não impediam a entrada de fiéis, que além das orações, não perdiam a oportunidade de fotografar a moderna igreja, os altares e os seus vitrais. Sentada por alguns instantes, observava o entra e sai das pessoas e o rápido movimento daqueles responsáveis pela limpeza, quando me deparo com a entrada de um jovem garoto vestido com uma batina marrom e sapato tênis vermelhos, provavelmente pagando uma promessa. Foi mais uma oportunidade para o registro de uma fé, que é professada a cada instante naquela cidade.







À saída, no alto das escadarias da Igreja, vislumbrei pela última vez a imagem, no alto do Horto, do famoso Padre Cícero. Santo ou agitador polêmico, repudiado por uns e adorado pela maioria, o fato é que o Padre é o maior benfeitor da cidade de Juazeiro e figura mais importante de sua história.